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Coragem, a mais importante das virtudes

  • 25 de set. de 2019
  • 4 min de leitura

Aconteceu numa noite, entre os dias quinze e vinte e sete de dezembro de 2014. No apartamento de pouco mais de trinta metros quadros, ela separava itens para se desfazer e outros que seriam conteúdo da única mala que planejava levar consigo durante as prolongadas férias na Califórnia. Tudo estava sendo planejado levando em consideração a possibilidade de estender o tempo fora, caso o seu inglês não estivesse tão bom quanto esperava, mesmo depois de estudar a língua por seis anos direto em seu próprio país. Depois de participar de uma sessão de coach aonde trabalhou emoções antigas, ela saiu de cabeça feita e decidida a deixar o Brasil até o dia dez de janeiro do ano seguinte. Para onde iria, não importava, estava aberta para fluir com a vida. Nessa noite, no entanto, o medo entrou sorrateiramente e tentou manter-lhe prisioneira, como costumava fazer, contando-lhe histórias assustadoras e soprando-lhe no ouvido velhas e conhecidas crenças limitantes.


Pronta para dormir, ela pega o celular, entra no Facebook e lê um post sobre uma estudante brasileira detida na borda do México. Enquanto isso, o medo aproveita para sopra-lhe ideias e sugestões na tentativa de fazê-la desistir do plano. A história se junta com o relato recente da vizinha aeromoça lhe dizendo sobre a quantidade de pessoas que têm a entrada nos Estados Unidos negada. As narrações abrem uma pequena brecha na confiança da moca, que o medo usa para sugerir imagens dela sendo deportada, entre outras coisas do gênero, enquanto um arrepio percorre seu corpo, começando na cabeça e seguindo lentamente até os dedos dos pés. Ela se vê na situação de ter a entrada nos Estados Unidos negada depois de ter comprado passagem e planejado todos os detalhes das sonhadas e merecidas férias de um mês e meio. De repente, com calafrios percorrendo o corpo, ela sente-se suspensa no ar, com a certeza de que já não pertence mais ao Brasil nem a outro lugar qualquer no mundo. A vida que costuma viver em seu país parece vazia como uma garrafa de vinho, da qual ela sugou cada gota ao longo de trinta e quatro anos, embriagadamente tentando descobrir quem é e aonde pertence. Há dez anos que ambiciona sair do Brasil, talvez morar em outro país por algum tempo, e Austrália foi a primeira opção. Mas ela nunca acreditou que seria capaz de fazer tal coisa, por isso, nem se quer tentou. Agora seria diferente. Faz um ano que se rendeu a vida, dizendo-lhe para trazer aquilo que é bom para ela e que faria o melhor para fluir com o que viesse. Foi assim que, quando a oportunidade de ir para a Califórnia surgiu, recebeu de braços abertos. 


Ao ler o post no Facebook e relembrar o relato da vizinha, no entanto, ela começou a sentir a desesperança ganhando força. Deitada, não consegue conter as lágrimas provocadas pela ansiedade e um sentimento de impotência perante a possibilidade de ter o seu sonho negado, agora que tinha criado coragem para tentar. Sentia-se suspensa entre dois mundos, um representando o passado, ao qual não pertencia mais, e o outro, o futuro, que se mostrava incerto e assustador. Ela sente a presença de um velho conhecido seu, um demônio interno chamado desespero. 

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Internamente, o impulso de mudar, de tentar coisas novas, conhecer outras pessoas, recomeçar; somado a incerteza de ser admitida pela imigração, geravam a sensação de estar grávida de quarenta e duas semanas e pronta para ir ao hospital dar à luz a uma nova versão de si mesma. Por um lado, estava assustada como a mãe de primeira viagem que sente a maca gentilmente empurrada para a sala de parto. Pelo outro, sentia-se vulnerável como um recém-nascido chegando nesse mundo material de infinitas possibilidades. A ansiedade a reduzia numa criatura frágil e ela permite se render a este sentimento, consciente de que não pode deixá-lo ficar por muito tempo, correndo o risco de ser convencida a esquecer toda essa ideia de férias internacionais. Conhecedora do poder dessa sombra, ela pega o telefone e liga para uma amiga, a mesma que lhe conectou com a Califórnia meses antes, procurando conforto e palavras de encorajamento. A amiga lhe fornece as duas coisas, mais um convite para dormir em sua casa naquela noite. Ela pega um táxi e chega no apartamento por volta das dez da noite. As duas conversam sobre muitos assuntos, entre eles, as formas como a vida vem lhe testando a determinação para navegar em tempos de nevoeiro e chegar ao outro lado, esperando encontrar a paz de espírito, o amor, a conexão, a familiaridade e o pertencimento, que vem buscando arduamente ao longo dos anos.


Repleta de gratidão por essa pessoa em sua vida e pela coragem que se fez presente nos momentos em que o medo tentou paralisá-la, na noite do dia vinte e nove de dezembro, ela entra no avião que a leva rumo a uma jornada que já dura quase cinco anos. Encantada e feliz por encontrar o que estava buscando, não se cansa de repetir as palavras de Maya Angelou escritas no livro “Letter to my Daughter” (Carta à minha filha): que a coragem é a mais importante de todas as virtudes.

3 Comments


Tem sido! Gratidão profunda por sermos sempre tão amparadas e assistidas em nossas necessidades. Gde bjo

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Unknown member
Nov 03, 2019

Você sempre inspiradora Tamara. Obrigada pelo tempo, carinho e cuidado que tem comigo. Que a coragem seja nossa fiel companheira, em todos os momentos. Um beijo 😘

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Muito profundo e inspirador! Que essa força de coragem continue muito atuante em seu caminho. Gratidão por ler as suas experiências e sentir que essa tal poderosa coragem que reside em meu ser ganha ainda mais força através das suas palavras.

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