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O nascimento e as interrogações

  • 4 de dez. de 2019
  • 3 min de leitura

As recordações de infância estão em pequenos fragmentos de memória que ela trabalha diariamente para manter vivos, assim como busca novas informações para ajudar a entender a trajetória da própria vida. Segundo aquilo que busca acreditar, escolheu nascer em uma família pobre, numa cidade bem pequena do interior do Brasil, através de uma figura materna que em nada facilitaria a sua vida. Seus pais estudaram apenas o suficiente para ler e escrever o básico. A mãe diz que tenta ler a bíblia de vez em quando e por mais que ela procure incentivar o hábito, a velha responde dizendo que é muito difícil, que a sua mente não consegue mais gravar as palavras. Ela explica-lhe que o cérebro funciona como qualquer outro músculo do corpo humano e que, quanto mais usado for, mais fortalecido se tornará. O contrário também se aplica e é isso que deve estar acontecendo com ela.  A velha apenas contrai os ombros em demonstração de pouca importância.

Quando a menina nasceu, o pai trabalhava como capataz para um jovem casal em uma cidade a poucas horas da localidade em que o restante da família morava. Ela acredita que ele os visitava aos finais de semana, mas é como se tais encontros nunca tivessem acontecido. Suas memórias envolvendo a figura paterna começam a partir dos seis anos de idade. Em todas, porém, o homem aparece como um ator figurante, nunca como protagonista, exceto quando a pega fumando um de seus cigarros, aos doze anos de idade. O pai era um homem fisicamente presente e emocionalmente inacessível aos olhos dela.


A mãe, além de cuidar e educar os cinco filhos, era a responsável pelas terras que seu pai lhe presenteara quando se casou. Era ela, com a ajuda dos filhos mais velhos, em início de adolescência, quem preparava a terra para plantar arroz, feijão, milho, mandioca, soja, abobora, melancia e todo o resto que servia de sustento para a família em crescimento. Foi assim até os seis anos de idade da menina, quando a família se juntou ao pai, em busca de melhores condições de vida. 

Durante uma conversa mais recente com uma de suas irmãs mais velhas, tomou conhecimento que a mãe, com apenas trinta e dois anos de idade na época, ficou internada em estado de coma depois do seu nascimento. Com lágrimas nos olhos, tentou continuar a conversa fazendo perguntas para saber mais, mas a irmã não quis continuar o assunto. Falou apenas que apagou essa parte do passado de sua memória e que não vale a pena relembrar. Segundo a irmã, nem mesma a mãe quer falar sobre o tema novamente. Ela bem que tentou puxar conversa com a velha, que também diz não se recordar de muito, desejando que esta pudesse trazer luz para as muitas dúvidas que tem sobre a sua origem. A única coisa que mãe lembra é que tivera os filhos mais velhos em casa com a ajuda de uma parteira e que, antes de engravidar dela, uma das três gravidezes indesejadas que teve, uma estranha lhe fez prometer que teria o próximo filho no hospital. "Alguém mencionou algo sobre o parto anterior não ter sido bem finalizado, gerando complicações no teu nascimento", relembra a mãe. Isto é tudo o que consegue recordar depois de trinta e cinco anos passados.

Desejosa de conhecer a própria história, ela fica se perguntando o que poderia ter acontecido de tão grave e como que ninguém, nunca, mencionou um fato tão importante sobre essa parte da história da família por mais de trinta anos. Ela pensa que esta experiência pode conter algumas das respostas para as muitas perguntas sobre o relacionamento entre mãe e filha. O que aconteceu pode ter influenciado na forma como a mãe a criou. Ela promete a si mesma que se tiver filhos vai contar-lhes tudo sobre a sua origem para que saibam quem são, como e de onde veem. Conversas serão incentivas, perguntas serão bem-vindas, além de muita troca de afeto para cultivar laços bem estreitos entre os membros de sua família. Em relação ao passado, está decidida a continuar trabalhando no assunto até entender o que realmente aconteceu e como isso impactou a vida das duas mulheres.

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