top of page

Um ninho vazio: aborto número dois

  • 6 de nov. de 2019
  • 3 min de leitura

“Na sua idade, gravidez é como um jogo de loteria”, diz o médico. “Quanto mais você tentar, mais chances terá de ter um bebê saudável”, completa, depois de entregar-lhes a triste notícia de que o ninho está vazio. Apesar do saco gestacional e todo o resto ter se formado, não existe um embrião e o aborto espontâneo é inevitável. Neste ponto, o médico deixa nas mãos dela e do marido decidir entre os três possíveis procedimentos para o próximo passo: esperar que o corpo faça o processo de eliminação do conteúdo uterino naturalmente, o que pode demorar semanas; optar pelo procedimento de aspiração, conhecido como D&C (Dilatação e Curetagem), algo rápido, feito no hospital com hora marcada; ou usar as quatro pílulas que fazem o útero contrair e eliminar o seu conteúdo.


Faltando uma semana para completar trinta e nove anos de idade, estava na sétima semana da segunda gravidez e, ao contrário da primeira tentativa, desta vez ela já sabia que algo não estava dentro do esperado. Na consulta da sexta semana, pediu ao marido que lhe acompanhasse. Não queria fazer o ultrassom sozinha. No fundo, sabia que a notícia poderia pegá-la de surpresa quando menos esperasse e queria ter a certeza que estava amparada pelo marido, caso isso acontecesse logo no primeiro ultrassom. Embora a notícia não tenha sido conclusiva, também não foi das melhores. O médico não conseguiu ver o embrião através do exame de ultrassom e pediu-lhe para fazer outros dois exames para checar o nível do hormônio HCG no sangue. Ela fez o primeiro na quarta-feira mesmo, assim que saiu do consultório, e aguardou ansiosa pelo resultado e também pela sexta-feira para fazer o segundo teste, logo pela manhã. Com mais ansiedade ainda, esperou pela ligação do médico na sexta-feira à tarde para saber o resultado comparativo entre os dois exames. Quando o telefone tocou, a voz dele era calma e quase indiferente, como costuma ser sempre que fala com ela.


Os testes também deixaram dúvidas sobre o desenvolvimento da gravidez, mas não foram negativamente conclusivos e ela foi solicitada a comparecer ao consultório dentro de uma semana para refazer o ultrassom. Depois de uma semana prolongada pela ansiedade e leituras a respeito das possibilidades, chegou a hora da consulta e ela se apresentou vinte minutos antes da hora marcada. Internamente, já sabendo o que iria ouvir, pensou nas muitas mulheres que não tem condições financeiras para ter um plano de saúde e esperam durante semanas ou meses para ter notícias sobre o andamento ou interrupção da gravidez. Ela estava sendo bem assistida, os exames feitos na hora, os resultados entregues com rapidez, preparando-a para o momento de receber do médico a notícia que o seu corpo já vinha entregando dia após dia durante a última semana, ao reduzir pouco a pouco os sintomas da gravidez.


Todas as manhãs, ao acordar por volta das cinco para usar o banheiro, ela checava o corpo para ler os sinais que lhe dava. A primeira parte era confirmar se havia algum sinal de sangue no papel higiênico. A segunda checagem era nos peitos, para ver o quão inchados e doloridos estavam. Apesar de não haver sangue e os peitos ainda estarem levemente inchados e doloridos, ela percebeu que não sentia mais o cansaço por volta da hora do almoço, nem a fome extra que vinha sentindo e além disso, estava dormindo melhor a noite do que vinha dormindo durante as primeiras semanas de gravidez. Apesar de saber que existia a possibilidade de um resultado diferente e desejar que as palavras do médico pudessem surpreendê-la, sabia o que ele tinha para lhe dizer, pois aprendeu a prestar atenção aos sinais e confiar na sabedoria do próprio corpo.


Ao deixarem o consultório, ela sentia-se estável, o marido, porém estava abalado. Apesar de ela compartilhar seus sentimentos e conclusões ao longo da semana, na tentativa de fazê-lo perceber o que estava acontecendo, ele não estava emocionalmente preparado para a notícia que recebeu. Ela pensa na perfeição dessa dança da vida: na primeira gravidez o marido estava mais preparado do que ela para o aborto e desta vez está sendo o oposto. Ela quer estar presente e apoiá-lo no processo de luto, dando-lhe o espaço que precisa para se recuperar.


Sem dizer muita coisa, ele retorna para o trabalho e ela caminha para casa se perguntando como será a recuperação dele, como será que ele vai lidar com mais essa expectativa frustrada? Além de pensar no procedimento pelo qual vai passar nas próximas semanas para remover os vestígios da gravidez, ela se pergunta se o marido vai se fechar e se afastar por um tempo. De qualquer forma, ela decide respeitar o tempo e o jeito dele passar por esta experiência. Quando estiverem prontos, podem tentar novamente. Quem sabe na terceira tentativa os dois tiram a sorte grande nessa loteria da vida.

4 Comments


Unknown member
Nov 21, 2019

Obrigada Joelma! Eu confio que a vida sabe o que faz. Ao ler as tuas palavras me ocorreu que talvez não ganhar na loteria também seja uma forma de ganhar na loteria, mesmo que eu queira muito o prêmio final. Existe uma sabedoria universal muito maior do que conseguimos entender neste momento e eu quero confiar que no final da minha trajetória, o que quer que eu tenha experienciado fará sentido quando visto como um todo. Eu continuo acreditando que está tudo certo como está.

Estou aqui pra você e estou torcendo por você, pelo bebê lindo que você está trazendo ao mundo dentro de pouco tempo 😍.

Um beijo no ❤️

Like

joelmacastro85
Nov 21, 2019

Oh Lan! Eu sinto tanto por isso. Escorreu lágrimas em cada palavra sua, principalmente por esse momento que estou vivendo, eu me coloquei muito no seu lugar. Sim, você será abençoada nessa loteria da vida! Sinta-se abraçada com muito carinho

Like

Unknown member
Nov 13, 2019

Obrigada pelo teu carinho e suporte @Tamara! Você á uma amiga especial por quem sinto imensa gratidão por ter no meu caminho. Tenho lembrado com frequência das palavras da Brene Brown e agora entendo como elas funcionam na minha experiência pessoal. Compartilhar me parece ser a melhor opção, pois além de me ajudar a perceber que não há nada de errado comigo, já que outras pessoas tambám passam por isso, pode ajudar outras pessoas a perceberem o mesmo e assim, nos livramos da vergonha que o isolamento poderia nos causar.

Beijo grande e obrigada por comentar! :)

Like

Como sugere Brene Brown, eh preciso estar vulnerável, compartilhar, falar, aparecer, “be in the arena” para que a vergonha e o constrangimento não nos engulam por inteiro...

Obrigada Lan por mostrar que eh possível continuar em frente mesmo em meio a profundas frustrações. Vocês tem toda a minha torcida e as minhas vibrações nessa maratona da vida. Essa criança iluminada virá no momento certo e será coberta de afeto, amor e gratidão.

Sabemos que o Universo jamais nos desampara...

Like
  • Twitter

© 2023 by The Book Lover. Proudly created with Wix.com

bottom of page